Como preservar nossos cavalos?

Todos nós criadores, já sofremos ou vamos sofrer um dia por problemas de manqueira em nossa tropa. Especialmente com aqueles indivíduos que fazem pista, e justamente por essa condição, são sempre os melhores de nosso rebanho.

É comum ver nossos animais com oito anos, ou até bem menos, já imprestáveis para marcha, com tendões fragilizados, articulações poderes e boletos e canelas cheios de ovas. Isso chega a ser absurdo, pois essa faixa etária em um cavalo corresponde ao seu ápice em termos físicos. É nessa idade que o equino começa a desfrutar de todo o seu potencial fisiológico. Raças que fazem Salto, Toureio e Hipismo Clássico tem seus indivíduos de elite começando a se apresentar aos 10/12 anos de idade. Cavalos com menos de 10 anos são considerados jovens e imaturos para desempenhar essas atividades.

Por outro lado, os Puro Sangue Ingleses chegam a começar as corridas aos dois anos de idade, e justamente por isso alguns animais PSI com cinco ou seis anos já são considerados velhos para a atividade de corrida, e isso principalmente devido às péssimas condições físicas que os mesmos se encontram ao chegar nessa idade, consequência de esforços precoces e ainda ao exagero no uso de complementos vitamínicos e anabolizantes e etc.

A raça Mangalarga Marchador não precisa chegar aos extremos dos exemplos citados a cima. Afinal ninguém com bom-senso vai começar a doma e uso de um Marchador aos dois anos e muito menos esperar que atinja os 10 para intensificar sua marcha e expô-lo em competições! Nem muito ao santo e nem muito ao diabo!

Nossos animais, via de regra, nos mais conceituados criatórios e centros de treinamento, têm sua doma iniciada entre os 34/36 meses. Agora convenhamos, que a possibilidade de apresentá-los em pista, já montados aos três anos (36 meses), incentiva e intensifica o começo da doma mais cedo e o treino mais pesado, e consequentemente o seu condicionamento mais antecipado do que o recomendado. E isso nos nossos melhores indivíduos, pois os Mangalarga Marchadores que achamos que não tem tanto potencial e em alguns aspectos, inferiores àqueles outros escolhidos para fazer pista, tem a “sorte” de ter uma doma mais tardia e não tão intensa prematuramente.

Mas aí vem a pergunta: temos, então, de mudar o regulamento e permitir a apresentação de nossos cavalos só aos quatro/cinco anos? A resposta é: isso é uma possibilidade, mas existem alternativas que podem imediatamente serem implantadas, enquanto se debate esse tema.

Alternativa viável

Ano passado, numas intermináveis e gostosas prosas em que participam criadores, peões, veterinários, tratadores, árbitros e usuários (enfim, os “viciados” em cavalo) durante os setes dias de disputa da Sela de Ouro, me foi mostrado muito apropriadamente pelo bom amigo e profundo conhecedor da raça Mangalarga Marchador, o veterinário “Rodrigo” Livrinho, uma sábia e ponderada alternativa.

Vale Salientar que antes de agora me expressar sobre isso, conversei com árbitros, criadores, técnicos e outros sobre esse assunto. Duas coisas me chamaram a atenção. Primeira: essa proposta já é de conhecimento do corpo técnico da ABCCMM e já foi até discutida. Segundo: a aceitação por parte de todos os que conversaram comigo sobre esse tema, com algumas sugestões e questionamentos pertinentes, é unânime.

A ideia é simples. Nos concursos de Marcha com animais até quatro anos (48 meses) ou um pouco mais com quatro anos e meio (54 meses), ou ainda até cinco anos, seria utilizada a segunda metodologia: os animais se apresentariam no começo da bateria na marcha reunida como de praxe, para a apreciação dos árbitros, que a seu gosto podem pedir para acelerar mais a marcha, para estabelecerem seus critérios de julgamento. Isso até se começar montar os animais. Nesta ocasião, quando os árbitros começarem a montar os animais, os outros participantes colocam seus animais a passo e assim continuam até ter o seu animal montado, e depois disso, retornam ao passo e continuam assim até serem todos os cavalos montados. Depois de terminada a analise montada em todos os animais por parte do árbitro, os mesmo retornam à marchar para continuar a prova e assim permanecem até o mesmo terminar seu julgamento, exatamente como é hoje.

Dentre as várias sugestões e questionamentos sobre essa pratica destaco alguns mais recorrentes. O primeiro é a indagação de que isso tornaria a prova ainda mais monótona, mas eu acho que não, isso porque justamente nessa hora, em que os cavalos estão a passo, haveria a prova funcional para aquele animal que tivesse acabado de ser montado pelo(s) árbitro(s). Isso ao meu ver teria um efeito até mais interessante para a plateia, uma vez que a maioria dos olhares estariam concentrados em só dois animais: no cavalo se apresentando na marcha, montado pelo árbitro, e no outro executando a prova funcional!

Alguns, sem pensar, indagaram que isso aumentaria ainda mais o tempo de prova. De jeito nenhum! Isso porque o tempo de que o árbitro(s) leva para montar toda a bateria é o mesmo com os animais a passo, já que sua análise montada segue os mesmos critérios de hoje em dia. Só o que muda é o andamento, da marcha para o passo, dos conjuntos que estão esperando o fim da montada do árbitro na bateria!

Outra indagação muito apropriada é se isso também deveria ser aplicado nas copas e exposições menores, com baterias de seis/sete animais. Acho que sim! Creio que quanto mais preservarmos nossos animais, aliás, nossos “potros” de cinco anos, mais aumentam as possibilidades de termos um Mangalarga Marchador saudável e confiável para o resto da vida!

Também foi colocado que esse ingresso mais tardio na fase “montada” de nossos animais em pista poderia afastar aqueles que queriam ingressar na raça e estejam “loucos” para enfim testarem suas aquisições em pista. Ora, não vejo isso como um problema, pois basta que esse novo criador compre um animal mais velho, ou seja, em vez de ele agora adquirir um potro de dois anos e meio para vê-lo em pistas aos três anos, vai passar a adquirir um potro de três anos e meio para vê-lo estar em pistas só aos quatros. O ônus, então ficará com o criador, que postergará um pouco mais tempo de permanência de seu potro em casa. Mas, convenhamos, esse tempo pode e deve ser computado como valor agregado e repassando para o consumidor final, exatamente como acontece com diversas outras raças. Afinal, o Lusitano e os cavalos de Salto e Adestramento também têm o seu comércio mais tardio e ninguém com bom-senso crê que isso atrapalhe seus negócios! Com o Mangalarga Marchador seria semelhante, nada mais, nada menos!

Preservar os animais

Sobre os quesitos de julgamento: regularidade, rendimento, diagrama, gesto, estilo, e comodidade, creio que nenhum seria afetado ou prejudicado nessa nova metodologia. Pode até haver uma discussão em relação ao quesito “regularidade”, mas e o passo não pode e deve ser regular e constante/ Esse andamento pode e deve ser objeto de análise e julgamento por parte do árbitro durante a bateria, e não só com o animal desmontado durante a prova de morfologia. Ou seja, o passo durante esse intervalo seria também objeto de julgamento!

Isso, além de tudo, nos daria uma necessidade de ensinar e condicionar nossos cavalos jovens a bem desempenharem esse andamento, o passo, que apesar de parecer simples e fácil, é muito mais complicado e difícil do que pode aparentar. Afinal de contras, a marcha nada mais é do que um passo “acelerado”, ou não.

Valorizar e condicionar nossos animais a bem desenvolverem esse andamento chega até a ser imperativo, e desde que se torne um quesito passível de análise e julgamento, vai por consequência levá-los a uma evolução e um condicionamento que, ele o Mangalarga Marchador, desde jovem vai assimilar, aprender e ainda vai usar durante sua vida útil.

Ganharíamos todos com mais esse “ensinamento” e condicionamento nos nossos jovens animais. Isso se refletirá positivamente no futuro, quando estivermos usando nosso Mangalarga Marchador em longas cavalgadas, comitivas, romarias e na lida, com o mesmo desempenhando um passo livre, basculhado, relaxado e natural, que tanto é necessário ao bom animal. Quem não cavalgou em um cavalo que não consegue permanecer no passo e, sempre nervoso quer partir a todo momento? Isso torna a cavalgada ou a lida desagradável e cansativa com você tendo que a todo tempo estar controlando o animal e sem nenhum dos dois relaxaram! Nesse caso nós, tendo que condicionar nosso potro desde cedo a naturalmente desenvolver esse andamento a passo, relaxado e natural, ganhamos um excelente companheiro de sela para o resto da vida!

Acho que vale a pena uma reflexão e discussão profundas sobre esse tema, uma vez que sabidamente tem aumentado a participação de animais em pistas, e hoje é comum vermos baterias que duram mais de uma hora! Isso é realmente muito desgastante pra um potro de três/quatro anos. Isso sem falar que para se aguentar nesse prova ele deve, e é, super treinado. Para se condicionar um Mangalarga Marchador a uma prova de 60 minutos interruptos ou mais, faria duas de 20 minutos e ainda com um intervalo a passo. Para isso, o treinamento pode e deve ser mais levem preservando esse animal para o resto da vida com seus tendões, articulações e ossatura, ainda em formação, mais resguardados até atingirem a maturidade e sua plena condição fisiológica.

A ideia não é minha, já é até bem antiga, mas porque até agora não se concretizou? Será que ainda pairam dúvidas sobre a necessidade que temos de preservar nossos potros montados de três a cinco anos? Quantos potros mais terão que ser “sacrificados” se tornando cavalos “podres”?

A evolução de nossa raça passa necessariamente por uma disputa mais acirrada nas pistas e isso requer uma nova forma de pensar seus regulamentos. Atitudes têm que ser tomadas no sentido de se preservar nossos animais acompanhando a consequente evolução dos mesmos e das nossas competições!

Por: Rogério Bivar (Criador Titular do Haras Água Boa – Tibau do Sul/RN)